Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Os receptores conhecidos como antígenos do grupo sanguíneo Duffy são fundamentais para que oPlasmodium vivax – um dos principais causadores da malária no mundo – possa invadir os eritrócitos, as células do sangue humano nas quais o parasita se multiplica durante seu ciclo vital.
De acordo com um estudo internacional, com participação brasileira, um polimorfismo no antígeno Duffy do eritrócito afeta a suscetibilidade à malária provocada pelo Plasmodium vivax.
O estudo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), foi realizado por cientistas do Universidade de Cleveland, da Universidade do Sul da Flórida, em Tampa – ambas nos Estados Unidos –, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP).
Participaram do trabalho Marcelo Urbano Ferreira, professor de Parasitologia Médica e Epidemiologia Molecular do ICB-USP, e Monica da Silva-Nunes, professora do Departamento de Ciências da Saúde e Educação Física da Universidade Federal do Acre. Silva-Nunes fez doutorado direto com
Bolsa da FAPESP, sob orientação de Ferreira.
A malária é uma das principais endemias parasitárias brasileiras, com 460 mil casos clínicos notificados na Amazônia brasileira em 2007. O Plasmodium vivax é a principal causa de malária fora da África, afetando especialmente a Ásia e as Américas. O Plasmodium falciparum, cujo genoma foi sequenciado em 2002, provoca o tipo mais severo da doença.
De acordo com o estudo, a importância do Plasmodium vivax como ameaça à saúde pública tem aumentado em relação ao falciparum. O vivax é o único entre os parasitas da malária cuja invasão de eritrócitos é quase que completamente dependente do receptor da superfície do glóbulo vermelho do sangue conhecido como antígeno do grupo sanguíneo-Duffy (Fy).
O Fy, segundo o estudo, é um importante antígeno do grupo sanguíneo Duffy que possui dois alelos imunologicamente distintos, denominados Fya e Fyb, resultantes de uma mutação. Essa mutação ocorre no ligante que permite a invasão do glóbulo vermelho pelo parasita.
Até agora, de acordo com os cientistas, não se havia confirmado se esse polimorfismo afeta a suscebilidade clínica da malária transmitida pelo vivax.
No estudo, os cientistas mostraram que, em comparação ao Fyb, o Fya diminui de forma considerável a ligação do parasita na superfície do eritrócito, estando associado com uma redução do risco de malária causada pelo vivax.
Os eritrócitos que expressam Fya têm capacidade de ligação de 41% a 50% mais baixa em comparação com as células Fyb. De acordo com Ferreira, a relação do antígeno Duffy com a suscetibilidade à malária foi descoberta na década de 1970, durante a guerra do Vietnã.
“Na região existem tanto o vivax como o falciparum, mas um fato chamava a atenção: os soldados brancos contraíam infecções das duas espécies e os negros quase nunca contraíam a malária vivax. Como era conhecido que o plasmodium invade os glóbulos vermelhos, logo surgiu a hipótese de que, na população negra, algo nessas células evitava a invasão do parasita”, disse Ferreira àAgência FAPESP.
Ainda na década de 1970, segundo ele, descobriu-se e comprovou-se experimentalmente que os indivíduos com antígeno Duffy negativo são resistentes à infecção por vivax.
“Sabia-se que na África Ocidental a maior parte dos indivíduos são Duffy negativo e o restante, em geral, são Fyb. Já na Ásia, quase todo mundo é Fya. Nas populações europeias há uma mistura mais equilibrada de Fya e Fyb. Até aquela época, achava-se que o que determinava a maior suscetibilidade era ter fenótipo de Duffy positivo, não importando se se tratava de Fya ou Fyb”, explicou.
Quebra-cabeça
O novo estudo indica que há uma diferença de grau de suscetibilidade à malária entre os indivíduos Fya e Fyb. E essa diferença se deve ao fato de que a proteína do parasita que interage com o antígeno Duffy é capaz de interagir de maneira mais eficiente com o Fyb.
A descoberta tem impacto sobre teses amplamente divulgadas na área de genética de populações. Segundo Ferreira, sempre se acreditou que o vivax foi o fator seletivo que assegurou a fixação do fenótipo Duffy negativo na África.
“A hipótese era que, por conferir resistência contra o vivax, o fenótipo de Duffy negativo era vantajoso no continente africano. Mas esse raciocínio tem alguns problemas. Um deles é que a malária transmitida pelo vivax não é uma doença tão grave assim”, disse.
Outro ponto contraditório da hipótese, segundo Ferreira, é que o vivax se originou a partir de parasitas de macacos asiáticos e os parasitas humanos surgiram naquele continente.
“Não faria sentido um parasita se originar na Ásia, depois de muito tempo chegar a outros continentes e selecionar um fenótipo de resistência na África, mas não na Ásia, onde o convívio com humanos é muito mais antigo”, declarou.
O novo estudo, segundo ele, aponta para uma solução do quebra-cabeça: o tipo ancestral seria o Fyb. É provável que na África tenha sido selecionada uma mutação não exatamente na região codificadora de Duffy, mas na região promotora.
“Assim, o que chamamos de Duffy negativo é um indivíduo que é Fyb na região codificadora do gene. O Duffy negativo, que é encontrado na África, seria um Fyb com uma mutação na região promotora. Em outras palavras: o indivíduo não expressa a proteína Fyb no glóbulo vermelho. Já o Fya seria uma mutação na região codificadora do gene”, explicou.
De acordo com o estudo, o que provavelmente aconteceu é que na Ásia a mutação da pressão seletiva causada pelo vivax transformou Fyb em Fya. “Na prática, a mutação selecionada foi a que transformou o Fyb em Duffy negativo”, disse.
O artigo
Fya/Fyb antigen polymorphism in human erythrocyte Duffy antigen affects susceptibility to Plasmodium vivax malaria, de Marcelo Urbano Ferreira, Mônica Nunes e outros, pode ser lido por assinantes da
PNAS em
www.pnas.org .
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